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Mostrando postagens de 2015

É preciso correr riscos

Leio na coluna  Tiraram o gira gira , de Carolina Delboni uma história que tem se tornado cada vez mais frequente. Depois que uma criança se machucou em um gira-gira, a mãe, indignada, fez com que o clube tirasse o brinquedo. Nada pior do que impedir a brincadeira em nome de uma falsa sensação de segurança. Depois do gira-gira o que mais irão tirar? Há algum tempo conheci um vídeo que veio a se tornar um de meus favoritos. Trata-se de uma palestra de Gever Tulley, no TED. O nome do vídeo não poderia ser mais instigante nem mais aterrorizante para alguns pais: 5 coisas perigosas que você deve deixar seu filho fazer . A palestra em questão, realizada em 2007, continha uma seleção de atividades do livro  50 Dangerous Things (You Should Let Your Children Do) , não editado no Brasil. Tulley nos conta em seu vídeo e também no livro, que não tem filhos, mas que há anos observa o comportamento dos filhos de amigos e familiares. Dessa experiência ele concluiu que a melhor maneira de garant

Silêncio, por favor!

Há não muito tempo eu assisti ao belo filme Território do Brincar de David Reeks e Renata Meirelles, montado a partir de imagens captadas em diversas comunidades, reunindo as diferentes manifestações do brincar em terras brasileiras. Um aspecto que me chamou atenção é que quase não há falas. As crianças, quando mais encantadas pelas brincadeiras, se entregam a uma atitude contemplativa e em muitos momentos, o silêncio só é quebrado por risadas, onomatopeias, gritos e ruídos corporais. Claro que não é sempre assim. Em muitos casos, os diálogos, reais e imaginados, fazem parte do jogo e da dinâmica do brincar. Mas são muito frequentes no filme e na vida, como qualquer um que já tenha olhado uma criança brincar pode comprovar, esses momentos em que a fala não tem vez. E são nessas horas que se percebe que a criança está completamente preenchida pela ação. Todo o seu ser está no momento. É o estado mágico que alguns chamam de fluxo. Um estado necessário a atividades que requeiram toda

O serrador

Foi no início de uma manhã de sábado que cheguei ao vilarejo. No dia seguinte teria que viajar para a capital, onde o congresso aconteceria. Sabendo que não era um desvio muito longo, aproveitei a viagem para passar na vila que conhecia de muitas histórias. Teria um dia inteiro para andar pelas ruas que os pés do meu avô haviam pisado pela última vez há mais de sessenta anos e, quem sabe, encontrar ali algo que me fizesse sentir que ele ainda estava comigo. Da vilinha da infância eu só tinha ouvido falar pelas histórias que ele contava e dela só sabia o nome. A família toda tinha mudado pra São Paulo quando ele era jovem. Nunca mais voltaram nem para visitas. Mas a pequena cidade foi junto com ele por toda a vida. No jeito de falar, no amor pela terra e no artesanato que fazia. Era só quando eu ia até lá que ficava hipnotizado brincando, enquanto ele me contava histórias da pequena vilinha de São Bento. Foi em uma dessas visitas que eu soube da única namorada que ele teve além da

Naquele apartamento

Lembro bem daquela tarde. Era um dia na década de setenta. Só não sei bem o ano. 77, 78 talvez. Estávamos eu e o Fábio na casa da Luciana. O pai dela era dono de uma agência de turismo e a família morava em um apartamento bem grande na Alameda Casa Branca. Estávamos fazendo um trabalho de OSPB. Era uma daquelas bobagens ufanistas da época. Tinha sempre uma frase de efeito ou um slogan que as pessoas colavam nos carros ou uma canção que ficava aparecendo toda hora na TV. “Eu te amo, meu Brasil”, “Esse é um país que vai pra frente”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. A moda da vez era um cata-vento verde-amarelo e uma canção dos incríveis: “O Brasil é feito por nós”. E nós três fomos à casa da Lu fazer o trabalho: montar um monte de cata-ventos e distribuir entre as crianças menores que iriam representar nossa escola no desfile de 7 de setembro. A professora deu para cada grupo um monte de folhas de cartolina de duas faces: uma verde e outra amarela. Nós tínhamos que fazer quadrados, depois co

Fermata

A não ser por mim, o vagão parte vazio. Em raras ocasiões, normalmente nas manhãs no meio de feriados prolongados isso acontece. Passei por isso poucas vezes. Há muitos anos era em Santana que eu entrava em um desses vagões privativos uma ou duas vezes por ano. Agora estou no extremo oposto e vez ou outra a cena se repete. Carrego um livro mas não consigo avançar na leitura. A tranquilidade desperta mais atenção. Saboreio o momento e ouço os sons do trem: as rodas nos trilhos, o motor, a ventilação. Nenhum som humano (a não ser os que eu mesmo produzo) invade a quase quietude da máquina. Na estação seguinte cinco pessoas entram. Uma mulher sozinha como eu escolhe um lugar à minha esquerda. Outra mulher entra com um menino de uns doze anos. Sentam-se lado a lado, mas não falam nada. Um garoto senta-se encolhido no banco do fundo e mexe no celular. Por alguma razão, mesmo mais cheio, o vagão segue sem palavras. À minha frente está o assento preferencial. Um homem idoso se aproxima